quarta-feira, 30 de setembro de 2009

América Latina deve falar mais alto

Mike Trace tem dedicado parte importante de sua vida para lidar com os problemas desencadeados pelas drogas no Reino Unido. Seu trabalho compreende desde programas de desintoxicação e reabilitação para dependentes, até a elaboração de políticas públicas para combater o crime e representar o governo de seu país no debate internacional sobre políticas de drogas.
Recentemente, visitou o Brasil não apenas para conversar com os membros do governo Lula sobre o assunto, mas também para compartilhar sua experiência com a nascente Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia. Trace fala da necessidade latino-americana de se organizar para fazer-se ouvir perante as Nações Unidas.
Atualmente, Trace é diretor-executivo do Rehabilitation for Addicted Prisioners Trust (Rapt), um dos maiores prestadores de serviços de tratamento para tóxico-dependentes no sistema penitenciário do Reino Unido, e preside o International Drug Policy Consortium (IPCD), uma rede global de organizações não-governamentais que busca promover uma política de drogas mais humana e eficaz.
Ultimamente, as vozes discordantes quanto à política internacional de guerra às drogas aumentaram bastante. Como funcionam as dinâmicas sobre este tema nas Nações Unidas e para onde se encaminha este processo?
Os 190 países das Nações Unidas apoiaram a guerra contra as drogas durante os últimos 50 anos, mas alguns países começaram a dizer "bem, o que fizemos no nível nacional e o que aprendemos com nossas próprias experiências tem nos distanciado dessa abordagem genérica". Outros países continuam defendendo em Viena uma postura fixa quanto à guerra às drogas. O Reino Unido está no primeiro grupo, somos um dos países que se sentem mais à vontade em propor uma mudança em Viena, assim como a Alemanha, que este ano, na reunião da Comissão de Drogas Narcóticas, liderou um protesto contra a idéia de deixar de fora da declaração política da Comissão o conceito de redução de danos, o que foi apoiado por outros 26 países.
Em sua opinião, por que o Brasil não se encontra entre os signatários do protesto?
O Brasil não teve uma voz muito forte nos debates mais recentes. Isto é interessante, pois em 2005 e 2006 o Brasil manifestou mais abertamente que queria discutir a questão da redução de danos, já que tem um programa com bons resultados nesse sentido. Não acho que o Brasil não assinou essa declaração porque se opunha a tal protesto, mas porque não queria criar nenhuma controversia. Na América Latina apenas a Argentina e o Uruguai assinaram.
É difícil para a América Latina assumir uma posição de liderança na questão das drogas devido aos problemas que tem nesse cenário?
É difícil para todas as regiões chegarem a um consenso neste sentido. Na Europa temos 27 países, cada um com a sua posição, mas a União Européia conta com um corpo executivo com uma estrutura em que se discutem as diferenças e se chegam a posturas comuns. Na América Latina o problema é que os países estão representados pelo Group of Latinamerican Countries (Grulac), que não tem uma estrutura executiva para resolver de maneira eficiente as questões. Por isso, não há uma voz forte vindo da América Latina, e nos debates internacionais ainda predominam as posturas da América do Norte, Europa Ocidental, Rússia e Japão.
Como sair desse atolamento?
Temos que estudar o que há em comum entre todos os países. Há desafios muito práticos, por exemplo, estabelecer quais mecanismos existem para permitir o debate intergovernamental entre os países latino-americanos. O único mecanismo desse tipo é a Organização dos Estados Americanos (OEA) e, mais exatamente, a Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (Cicad), que conta com bons recursos e é potencialmente um bom veículo para um debate Latino-Americano ou hemisférico.
Porém, foi criado à imagem da política dos Estados Unidos. Agora deve-se revisar seu funcionamento, aproveitando que o novo governo em Washington parece menos dominante e mais aberto para escutar e cooperar.
De fato, neste momento, o Brasil está fazendo uma avaliação de tal organismo através da Secretaria Nacional sobre Drogas (Senad), e será interessante ver quais resultados esse relatório trará. É um bom momento para revisar a estrutura e torná-la um veículo para uma voz latino-americana no contexto internacional.
O senhor esteve reunido com membros do governo em Brasília. O senhor acredita ser possível que o Brasil lidere o debate no nível regional?
O potencial e as bases para um debate sofisticado sobre políticas de drogas estão claramente presentes no Brasil: há uma considerável comunidade de pesquisa, há um vibrante debate político e há experiências exitosas e não-existosas. Além disso, devido à crise de violência urbana, todo mundo sabe que algo tem que ser feito agora e tudo isso pode ser a base para liderar o debate na região.
Após minha visita a Brasília, vejo que há gente do mais alto nível governamental que realmente quer alcançar melhorias neste campo e que tem como prioridade o desenvolvimento de políticas sociais, e perceberam que o tráfico de drogas é um dos principais fatores que estão entorpecendo esses objetivos. Pode ser que seja um pouco tarde para perceber, já que estamos no fim do atual governo e às vésperas de um período eleitoral, mas é reconfortante ver que estas pessoas estão muito envolvidas com a questão.
Parte do debate público sobre a despenalização do consumo no Brasil está centrada na idéia de que não castigar o usuário e castigar o vendedor de drogas é um ato de dois pesos e duas medidas. O que o senhor acha?
Não posso dizer o que o Brasil ou qualquer outro país deve fazer cada um encontras suas próprias soluções. Mas eu acho que, em geral, as legislações dos países devem distinguir entre três tipos de atores envolvidos na questão: os usuários casuais de drogas, grupo que tem maior número de pessoas e não está envolvido com o mundo criminal, portanto não deve ser punido com a prisão; em seguida há o grupo de dependentes, não necessariamente violentos, mas que têm um problema e, portanto, podem chegar a cometer delitos menores ou se envolver em comportamentos não-sadios. Para esses acho melhor oferecer alternativas de tratamento do que a prisão. E, finalmente, há os criminosos, que se dedicam a ganhar dinheiro com a venda de drogas e aterrorizam as pessoas, corrompendo diversos estamentos da política ou cometendo crimes nas cidades, e sobre quem deve-se focalizar a justiça e a polícia.
Se a guerra contra as drogas fracassou, por que as Nações Unidas se empenham em continuar defendendo esse paradigma?
Bem, não podemos esquecer que a Organização das Nações Unidas é formada pelos Estados membros, são os Estados os mais resistentes a mudanças. A resistência à mudança é em parte institucional e em parte ideológica. É muito difícil para muitos governos e instituições políticas aceitar que é preciso fazer algo diferente da guerra às drogas.
Também, admitir que a estratégia que seguimos pelos últimos dez anos fracassou é algo que simplesmente não acontece no contexto internacional. Construímos grandes instituições e grandes orçamentos dedicados à guerra contra as drogas, e pedir às cúpulas de tais instituições e estruturas políticas que representam seus governos em Viena que votem contra si mesmos é difícil.
comunidadesegura

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"... When one is essentially a volunteer prison visitor, he knows that his role, however little that may seem a look unprepared, is likely to produce a far-reaching effect pacificatory ..."

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Presidente da FIAR