domingo, 13 de setembro de 2009

Justiça das decisões jurídicas e políticas

No nosso ordenamento jurídico-constitucional temos duas ordens de decisões: a decisão jurídica proferida por um Tribunal Comum, que assenta na verificação dos factos provados e na aplicação do direito substantivo; e a decisão política, proferida pelo Tribunal Constitucional, ancorada numa ficção jurídica que se esconde por detrás dos princípios constitucionais. Ambas são válidas, embora a primeira seja independente do poder político, e a outra não. Passo explicar.
A decisão jurídica é estribada em factos objectivos, dados como provados, que são levados para o processo pelas partes. É elaborada por juízes independentes, isentos e imparciais, recrutados por concurso público.
A decisão política é mais política do que jurídica ou constitucional. Serve-se da Constituição para fazer interpretações e tirar conclusões de índole política ou ideológica. É proferida por juízes de nomeação político-partidária, sendo que, muitas das vezes, reflectem o sentimento maioritário, em cada ciclo de governação. Esta situação, nos últimos anos, tem vindo a agravar-se e o princípio da separação de poderes tem levado constantes golpes na sua matriz.
Esta relação dicotómica, de significado acrescido e de substância, deve ser feita, para que o cidadão conheça as águas em que navega cada uma das jurisdições.
O Tribunal Constitucional brindou-nos com mais uma decisão política, ao não encontrar qualquer inconstitucionalidade no diploma que permite a um director-geral dos serviços prisionais colocar um recluso em regime aberto. Isto apesar do avisado e prudente pedido de fiscalização preventiva do Código de Execução de Penas, feito pelo Presidente da República. Diz esta instância, entre o mais, que a norma não viola a reserva de jurisdição. É o que diz o Governo. A moda imposta pelo Governo, de desjurisdicionalizar actos tipicamente jurisdicionais, está a fazer escola, mesmo que sacrifique direitos e princípios.
É claro que a decisão de colocar um recluso em regime aberto deve passar pelo crivo de um juiz e não por um elemento da administração pública. O entendimento de secundarizar a importância da execução de penas, dando-lhe uma dimensão administrativa, é um erro. Neste domínio jogam-se importantes valores humanos, de recuperação e de reinserção social do delinquente, bem como questões que se prendem com os interesses da vítima.
Que o PS e o Governo não queiram perceber isto, ainda se vai admitindo. Agora, o Tribunal Constitucional afinar pelo mesmo diapasão é que não se compreende.
Quem assim decide não cumpre a Constituição.
Rui Rangel, Juiz Desembargador


correiodamanha.pt

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Mensagem de boas-vindas

"...Quando um voluntário é essencialmente um visitador prisional, saiba ele que o seu papel, por muito pouco que a um olhar desprevenido possa parecer, é susceptível de produzir um efeito apaziguador de grande alcance..."

"... When one is essentially a volunteer prison visitor, he knows that his role, however little that may seem a look unprepared, is likely to produce a far-reaching effect pacificatory ..."

Dr. José de Sousa Mendes
Presidente da FIAR